Do que se trata...

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O espetáculo ETERNO coloca ao público, através do teatro e da dança, a solidão e as angústias de uma mulher que aguarda o retorno do marido que viajou. Em contraponto, apresenta os sonhos e as idealizações da filha, que anseia por conhecer o pai. Duas vidas, duas perspectivas que divergem na forma de ver e sentir, porém regidas por um mesmo verbo: esperar.

CRÍTICAS

Por GUILHERME NERVO, colunista do blog Prercepção Teatral
http://percebeoteatro.blogspot.com.br/2012/10/como-vida-continua.html

(E)terno atinge os olhos e o coração porque trata de uma realidade universalmente conhecida: a perda de um membro da família. Quais são os passos para a superação? O que deve ser feito? Como a vida continua? A vida continua?

Certamente a vida não continua como antes, mas a partir do espetáculo recebemos a visão de que a continuidade da vida, como o próprio nome do espetáculo, é eterna. Assim como a lembrança é eterna. Ainda que a morte seja o grande mistério da vida, a sensação de que nossas lembranças são eternas persiste em qualquer ser humano.

Segurando um terno azul marinho, ela diz:

- Isso aqui era do meu pai.

Ela cheira, amacia e abraça o terno, na tentativa de imaginar como era – como é – o seu pai. Ela é uma criança de seis anos, uma mulher de meia idade, uma adolescente carente, uma velha resignada, é uma personagem dramática, uma atriz jovem, é a própria Tefa Polidoro. Todas são mulheres que esperam, porque a possibilidade de que a figura masculina apareça está sempre habitando o imaginário delas.

Consegui visualizar muitas figuras a partir de uma atriz com um vestido velho e manchado, representativo de uma história do passado que continua repercutindo no presente. Assim como posso ver uma criança cuidando a trilha das formigas, também posso imaginar que são abelhas ou que são animais imaginários, criados pela mente inventiva da criança. Não importa definir a que espécie pertence o animal, a que gênero ou outra categoria, o essencial é deixar-se levar pelo oceano de imagens que vão surgindo para o espectador, enquanto presenciamos uma atriz que acolhe o vazio do palco e dos próprios sentimentos, transformando-os em arte. A magia do teatro está em apoderar-se de acontecimentos íntimos que nos causaram sensações profundas e transpô-los para a linguagem cênica. Como uma homenagem. Uma forma de lidar. Um aprendizado. Uma celebração da vida.



Os dedinhos dos meus pés vazios. Não existe nada aqui, só eu, eu e o vazio.



(E)terno não precisa de cenário porque em primeiro lugar quer nos mergulhar no vazio. Somente daí nos possibilita o contato com a terra, com a grama, os balanços, o ar ou um bolo de aniversário. Só fica definido aquilo que quisermos definir porque a peça te dá uma margem de liberdade na qual a viagem de cada um é única. Penso que há dois momentos em que o espetáculo atinge seu auge: quando ela nos apresenta uma gag antiga muito explorada pelos palhaços clássicos ou mímicos, a gag do casaco, na qual existe a vívida impressão de que outra pessoa entrou em cena através de um dos braços da atriz, que é coberto pelo terno e adquire vida própria, relacionando-se com a personagem. O outro momento é quando ela repete uma linda partitura - trata-se de um mergulhar e subir do chão - enquanto diz uma frase. A frase dita num crescendo é contaminada pelo corpo que vibra até alcançar um estado de presença e perturbação que causam elevado efeito estético e emocional.

Foi um vento que passou Que te trouxe e te levou

Uma peça com apenas uma atriz em cena, praticamente sem texto dramático e com uma temática autobiográfica não é um trabalho simples. Tefa Polidoro e sua equipe realizam essa tarefa arriscada com algo a mais: qualidade! A atriz faz a plateia acreditar que o teatro não perdeu sua essência, que ainda podemos ir ao teatro e sair poetizados. O cerne do espetáculo não está nos efeitos de luz, nas projeções audiovisuais ou em maquinarias de última geração, como muito temos visto ultimamente. (E)terno é grandioso porque é um trabalho verdadeiro, de corpo e alma. Não vemos uma atriz fingindo ou se poupando, muito pelo contrário, vemos uma atriz entregue à cena e crente no seu trabalho. Há detalhes da técnica corporal da atriz que contam positivamente ao espetáculo, como seus pontos fixos, sua resistência, o trabalho de mímica e os giros. Uma vez que a técnica, o talento e a entrega se casam, temos a beleza que é (E)terno.



Por GUSTAVO SAUL, colunista do site O CAFÉ.

http://www.ocafe.com.br/2012/08/06/espetaculo-eterno/


Uma sala silenciosa. Ruídos do público chegando. Pingos caindo. Uma moça deitada no chão sentindo a água bater em seu rosto. A solidão, a espera, o irreversível. Surge a presença forte de um ser humano fascinante e, ao mesmo tempo, frágil.
(E)terno coloca ao público, através do teatro e da dança, a solidão e as angústias de uma mulher que aguarda o retorno do marido que viajou. Em contraponto, apresenta os sonhos e as idealizações da filha, que anseia por conhecer o pai. Nesse cenário reluz a atuação imagética de Tefa Polidoro que está simplesmente arrebatadora em várias caracterizações dessa jornada, aliando um apuro corporal invejável, um domínio cênico ímpar e uma sensibilidade visceral. A jovem atriz (também uma das autoras do texto) consegue em um espetáculo de cerca de 45 minutos fascinar o público com um carisma absurdo.
O cenário é simples: palco limpo, algumas projeções ao fundo, algumas roupas e adereços cênicos. Não é necessário: a limpeza cenográfica casa perfeitamente com a desenvoltura de Tefa, que alça vôos altíssimos nesse tocante questionamento pós-moderno das relações contemporâneas, da solidão e da nostalgia.
(E)terno é um espetáculo obrigatório por proporcionar ao espectador gaúcho uma experiência diferenciada, poucas vezes observada em nosso teatro.





Por ANA FUCHS, atriz formada no Departamento de Arte Dramática da UFRGS. Mestre pela Faculdade de Educação da UFRGS. Diretora e professora de teatro no Colégio Aplicação/UFRGS.


  Acompanho a Tefa Polidoro há quase 10 anos, vi a menina se transformando em mulher e artista- discutindo, refletindo, escolhendo seus caminhos. É nessa trajetória e nessas escolhas que percebo o espetáculo (E)terno, principalmente por um ponto que me é muito caro - a autoria.
(E)terno revela a vida desta menina e dessa atriz, não só pela escolha do tema, que trata das memórias de sua infância, mas pelas escolhas estéticas que incluem suas vivências na dança. Mas a autoria não está só aí, está na sua concepção sobre a arte de atuar,sobre sua disponibilidade em desnudar-se diante do público revelando sua condição humana, doando-se integralmente. Na cena contemporânea podemos observar uma explosão de recursos de video, a mescla entre dança, música e artes visuais, por vezes utilizados como um grande buffet em cena, em que os elementos reunidos não conduzem a nada. Mas o que acontece em (E)terno é o contrário, a dança e o vídeo são utilizados de forma delicada, fluida, dando sustentação à dramaturgia e construindo uma rede de símbolos e signos que vão além das leituras cotidianas, possibilitando ao espectador um mergulho em si. Realidades particulares entrelaçadas por princípios comuns como o amor, a solidão, o abandono e a esperança.
  Enfim, (E)terno revela uma busca pela razão verdadeira da "arte do encontro" - o teatro.



Por MARCELO ARAMIS, colunista do jornal O Caxiense


Sofrer com verdade, comover com sutileza



Quando assisti (E)Terno, eu não sabia de nada. E achei extraordinário, pela qualidade que já conhecia de Tefa Polidoro e pela poesia perturbadora do espetáculo. Agora que sei isso que vou contar, a peça me parece ainda mais forte.
“Se essa rua se essa rua fosse minha. Eu mandava eu mandava ladrilhar…”, canta a voz feminina cheia de melancolia. A atuação de Tefa é como a própria canção, que tem a doce intenção de ninar mas, despretensiosamente, por inocência, faz chorar. Tefa é a mãe e a filha deixadas pelo pai. É também o homem da casa que ela imagina e as vizinhas que fofocam sobre o absurdo abandono. Apenas um terno pendurado em um cabide acompanha a atriz no palco. O paletó dança, oferece o braço para acompanhar a caminhada, brinca e dá um abraço que é placebo para curar a saudade.
   Envolta em vídeos de família e lembranças, Tefa transita naturalmente entre diversos personagens. Enche o palco para falar do vazio. A menina idealiza o pai que partiu para uma viagem e não deu mais notícias. Porque todas as crianças têm um pai, ela também desenha o seu. Convive com aquela imagem enquanto espera o encontro do qual tem certeza. A mãe tenta suprir a ausência, mergulha em dúvidas, toca a vida. Parece bem menos crente naquele encontro sonhado pela filha, mas talvez seja mais esperançosa do que a criança. Antes de amargar a dor do abandono e o peso de assumir a casa, a mulher lamenta pelos momentos que o marido perde. Os primeiros passos, as novas palavras, as pequenas mudanças de quem cresce rápido… Cada conquista da filha traz também um pouco de dor porque não pode ser dividida com o pai. E ela guarda as mágoas para quando ele voltar.
   Dirigido por Márcio Ramos e com orientação de Luciane Olendzki, o espetáculo prima pela simplicidade. É o que mais combina com o enredo e melhor aproveita a atuação visceral de Tefa. (E)Terno expõe uma tristeza que é bonita de se ver. Comove sem explorar o sofrimento. No entanto, aquela dor que Tefa espalha no palco e inunda a plateia não tem intenção de ser contida. A poesia conquista o público porque tem a timidez de quem acha feio não ter um pai e inocência da melancolia infantil.
   Saí do espetáculo impressionado com a verdade que Tefa imprimia àqueles personagens e pela maneira sutil com que a mensagem tocava o público profundamente. Soube depois que a peça é autobiográfica, o que não torna mais fácil o trabalho da atriz. Tefa dança com aquele terno que foi do pai e guardou nos bolsos toda a esperança que ela teve na infância. Interage com vídeos da família e com a sua própria imagem quando menina fantasiando com o grande dia do fim da viagem. Não deve existir maior nudez. A direção do espetáculo precisou ser impecável para que a história se revelasse com a força e a delicadeza daquela dor real. Se essa rua fosse minha, eu não mudaria um ladrilho sequer


Por RAULINO PREZZI, colunista da página Qual é a boa?

Na Lista

Deve ser a mesma sensação de ver um filho dar seus primeiros passos, estes que com certeza serão traçados por um caminho de aventuras. (E) Terno, o espetáculo teatral que leva à cena a atriz Tefa Polidoro não é nada vazio, nem na cabeça, nem na boca, nem nos ouvido e muito menos nos dedinhos dos pés. É denso, é forte, é completamente delineada e de uma sensibilidade extrema que nos leva a se divertir numa montanha-russa de emoções. Sem dúvida um dos espetáculos mais lindos que já assisti nos últimos tempos. Com um trabalho corporal de dar inveja, Tefa se desdobra com maestria entre vários personagens.
Destaque para a cena do casaco, em que ela contracena com ela mesma, num ritual de paixão, tesão e amor. Márcio Ramos acerta definitivamente na direção e a trilha sonora que vai de Chico Buarque ao baião, cai como uma luva. Confesso que não gosto muito do uso de imagens, uma vez que já foi usado em vários espetáculo, mas talvez tenha que ser necessário para contextualizar a vida da atriz. E teria mais cuidado com os cortes secos na trilha sonora. Mas, técnica à parte, assistir Tefa Polidoro em cena é a mesma sensação de comer um mousse somente depois da salada.


Por CARLINHOS SANTOS, colunista do Jornal Pioneiro

Polifania cênica

  (E)terno, monólogo que Tefa Polidoro levou ao palco do Tea tro do Sesc quarta e quinta-feira passadas, tem a riqueza da auto ralidade. Ao lidar com material autobiográfico para encenar o feminino que espera, a atriz vira menina, mãe e mulheres. A peça ora tem nuances tecidas na fili grana, ora se vale do histrionis mo da intérprete. 
  Na primeira meia hora, a cena é despojada, limpa, quase mi nimal, numa sequência de mo vimentações corporais que evi denciam o universo de solidões, angústias e reminiscências do personagem. A forma com que a atriz ocupa o palco, em proce dimentos seguros, é especialmen te rica por, mesmo com poucos elementos, obter contundência cênica, no eco da máxima de que menos é mais e mais é menos.
  Depois de apresentar, com ter nura e delicadeza, o universo do abandono, a atriz descrever o universo social da mesma per sonagem. Então, se vale da ca ricatura e do humor, auxiliada pelo uso de vídeos familiares . Consegue (ainda mais) empatia da plateia, mas talvez perca um pouco a mão da precisão com que vinha tecendo sua delica da performance. De qualquer forma, auxiliada pela seleção musical e pela iluminação, Tefa Polidoro faz de seu monólogo uma polifania que enuncia sua vigorosa presença cênica.